sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Entrevista com Clotilde Tavares

Clotilde segurando A Botija


Isaac Isidoro e Fátima Lopes, alunos do grupo PET de Literatura Norte-rio-grandense, entrevistaram nesta segunda-feira a escritora Clotilde Tavares. Após a entrevista, a escritora proferiu a palestra “A Literatura de Cordel” para um auditório lotado por alunos dos cursos de Letras e Pedagogia. A palestra foi empolgante e os alunos não “arredaram pé”. Na ocasião, a escritora divulgou o seu novo livro O Verso e o Briefing: a publicidade na literatura de cordel lançado pelo selo Jovens Escribas.

PET: Quais foram suas primeiras leituras?

CLOTILDE T.: Eu aprendi a ler sozinha, nas manchetes do Diário de Pernambuco. As primeiras palavras que aprendi a ler foram: “Diário de Pernambuco”. Eu tinha três anos de idade quando aprendi a ler. Meu pai era jornalista, poeta e vinha de uma linhagem de jornalistas, o pai dele também escrevia, os irmãos eram poetas, e eu fui criada numa casa cheia de livros, onde a principal de diversão era ler, ouvir rádio e conversar sobre o que se lia e o que se ouvia no rádio. E eu lia o que me aparecia pela frente; não tinha separação entre leitura para adulto e leitura para criança. Claro que tinha os livros de contos de fadas, mas outras leituras circulavam pela casa. E eu sou mergulhada na leitura desde que me entendo por gente.

PET: Por que escrever?

CLOTILDE T.: Todos em casa liam, eu também lia e como todos escreviam, eu também escrevia. A imagem que eu tenho é a do meu pai na máquina de escrever, o som da minha infância é o “tic tac” da máquina, quando ele estava escrevendo à noite; mamãe também escrevia em diários. Da época em que eu nasci até a minha adolescência, o telefone era coisa muito rara, então as pessoas escreviam cartas e bilhetes o tempo todo. Tinha as cartas para os namorados, que tinham toda uma fórmula de escrever, e as cartas para os familiares. Além de eu escrever minhas próprias cartas, também escrevia cartas para os que não sabiam escrever. Aos sábados, vinha muita gente do interior lá para casa e minha mãe pedia para que escrevesse cartas para elas. 

PET: Você é formada em Medicina, mas sempre teve relação com as Artes. Como conciliar coisas tão distintas?

CLOTILDE T.: Meu pai dizia para eu fazer um curso de Artes, mas eu quis fazer Medicina. Eu sentia que precisava fazer um curso que me desse uma possibilidade de emprego e, em 1970, data em que entrei na faculdade, havia uma perspectiva muito boa de fazer uma bela carreira na medicina. Desde criança eu me dividi. Quando tinha 14 anos, eu queria ser estilista de moda e morar em Paris. Até hoje eu adoro moda, adoro Sexy and the City. Depois resolvi ser cientista para trabalhar nos primeiros computadores que estavam sendo criados nos EUA na década de 1960, sempre fui apaixonada pela ciência. Então foi feito o primeiro transplante de coração; quando eu vi aquilo, fiquei fascinada e decidi que faria Medicina. Na Medicina, descobri o problema da fome e da desnutrição no nordeste e me apaixonei por essa causa, que não é só uma causa médica, mas é uma causa social. Então me dediquei a isso até 1990. Paralelamente sempre gostei de escrever, de fazer teatro, de mexer com música e cultura popular. Nessa estória, eu nunca parei de escrever, escrevia contos e poemas e publicava no jornal A República. Mas só resolvi me assumir como escritora no início da década de 1980. Quando organizei o meu primeiro livro de poesias, descobri que tinha muitas poetisas boas no Rio Grande do Norte, começando por Zila Mamede, Myriam Coeli, continuando com Marise Castro, Diva Cunha, e eu pensei: “eu escrevo tanto poesia quanto prosa e já tem umas poetisas ótimas, então eu não vou escrever mais poesia. Eu vou escrever prosa”. Daí, passei a me dedicar só à prosa. Não é como poeta que eu quero ser conhecida, eu sou escritora. Foi uma opção consciente, não pretendo voltar a publicar poesia, a única poesia que escrevo hoje em dia é a de cordel, e eventualmente.

PET: No livro Informação da Literatura Potiguar, Tarcísio Gurgel elogia o seu primeiro livro e cita uma personagem, Lady Midnight, quem é Lady?

CLOTILDE T.: (risos) Esse livro nunca foi publicado, nem terminado, falta o capítulo final. Eu aprendi com esse livro que você nunca deve escrever quando está mergulhada em uma situação emocional, quando você cria uma personagem para representar na ficção aquilo que você está fazendo na vida real. O nome do livro é Batom Borrado e conta a estória de uma mulher que tem aproximadamente 35 anos, está separada do marido e tem dois filhos. É uma personagem com três alter egos: quando está em casa cuidando dos filhos é a rainha do lar; no trabalho é a paladina da informática e quando cai na noite é Lady Midnight. Era uma época em que Natal tinha muitas festas e o texto fala disso, descreve esse momento da cidade. Ela, a personagem, sai de casa toda arrumada e volta de manhã toda desmontada, com o batom todo borrado. O livro tem uma forma narrativa muito interessante, porque eu jogo com a ordem cronológica dos capítulos, um atual, outro quando ela ainda era casada, outro quando ela era criança, sempre com todos os verbos no presente; cada capítulo tem uma epígrafe de uma música dos Beatles, como se o romance tivesse sido escrito ao som de Lennon e McCartney.

PET: Entre os seus livros, há algum título preferido? Qual? Por quê?

CLOTILDE T.: Eu sempre estou apaixonada por um ou outro, mas tem um livro de que eu gosto muito, que é A Botija. É um livro onde eu conto três estórias que ouvi quando era criança, misturo uma estória com a outra e construo uma narrativa que considero bem construída. Esse livro já me deu muitas alegrias, muitas viagens, alguns trocados, e foi distribuído pelo Ministério da Educação e Cultura para todas as bibliotecas escolares do Brasil.

PET: De 16 a 29 de maio de 1999, você viajou pelo sertão, refazendo o trajeto que Câmara Cascudo fez em 1934. Conte-nos um pouco sobre essa viagem.

CLOTILDE T.: Câmara Cascudo partiu nessa viagem no dia 16 de maio de 1934, com o presidente do Estado, que na época era Mário Câmara. Era uma viagem de inaugurações, dessas que os políticos fazem até hoje e Cascudo, por ser o grande intelectual do Estado, foi convidado a acompanhar Mário Câmara. Quando voltou, Cascudo escreveu 18 artigos sobre essa viagem, que foram publicados na União e isso foi transformado num livro chamado Viajando o sertão. Eu estava lendo esse livro e percebi que se completariam 65 anos dessa viagem e resolvi refazê-la; organizei e produzi a viagem reconstituindo o mesmo trajeto que Cascudo fez e registrou no livro. Foi uma experiência muito interessante, porque me permitiu comparar o que Cascudo viu há 65 anos com o que eu estava vendo naquele momento. Eu lamento o fato desse relato não ter sido transformado em livro e publicado, o que se deveu à falta de interesse dos programas editoriais patrocinados pelo Estado. Eu tenho a intenção de pegar os textos que estão “encostados” e transformá-los em livros virtuais e disponibilizá-los para quem quiser ler.

PET: Qual a sua relação com o teatro? Fale um pouco de sua experiência como atriz.

CLOTILDE T.: Eu sempre fui apaixonada pelo teatro, tenho fascinação pelo palco e a primeira vez que subi em um palco tinha 10 anos de idade. Fiz o papel de uma assistente social numa peça do SESI, onde o meu pai trabalhava. Me levaram ao salão, fizeram meu cabelo e eu me senti bem em cima do palco.  Atuei outras vezes, sempre coisa muito amadora, mas sempre fui muito ligada ao teatro. Compus música de espetáculo, ajudava com figurino, até que, em 1990, recebi um convite para trabalhar como atriz numa produção da Stabanada Companhia de Teatro junto com Marcos Bulhões, e trabalhei com ele, uns 15 anos. Fiz várias peças como atriz e como autora teatral. Essas são as duas coisas que eu sei fazer no teatro: atuar e escrever. Não sei dirigir, nem fazer cenografia, não sei fazer luz. Sinto muita falta do palco, estou afastada dele desde 2004.

PET: Parte do seu trabalho vem sendo divulgado pela internet. Qual a sua relação com essa tecnologia?

CLOTILDE T.: Eu sou uma apaixonada pela tecnologia. Sempre adorei gadgets, mecanismos; se meu pai me dava um relógio, eu o abria. Eu não tenho medo das máquinas, pelo contrário, eu tenho uma relação muito boa com elas. Desde que começou a internet que eu estou nela, eu estou na internet antes do Windows, quando o sistema operacional era o DOS e a internet era só para trocar arquivos.

PET: Em relação à cultura do RN em Umas e Outras - http://umaseoutras.com.br/ - você afirma: “a cultura está aí, pujante e viva.” Fale um pouco sobre esta afirmação.

CLOTILDE T.: Cultura são as diversas formas do ser humano se expressar, os hábitos, os costumes, a maneira de compreender o mundo, tudo isso é cultura. Quando eu vejo pessoas dizendo que “a cultura no Rio Grande do Norte está morta”, que “a cultura está passando por um momento difícil”, eu discordo. Todo mundo que eu conheço que faz cultura, tanto os agentes culturais quanto os artistas, todos estão produzindo. O que está ruim no Estado não é a cultura e sim a gestão pública na área da cultura. Essa está uma desgraça, os órgãos culturais, a nível do Estado e do município, não estão respondendo aos anseios do artistas e dos produtores culturais e não estão oferecendo a eles aquilo que eles precisam. O povo confunde cultura com eventos, shows, exposição. O que é necessário é que seja criada uma politica cultural, amplamente discutida com quem faz a cultura, com os artistas e produtores, em que as necessidades da classe sejam priorizadas; depois, é preciso que seja feito um plano de aplicação dessa política; finalmente, tem que se arranjar dinheiro para isso, em forma de dotações orçamentárias, para que a política cultural possa realmente existir.

PET: Como surgiu a idéia do seu novo livro O verso e o Briefing?

CLOTILDE T.: Esse livro partiu de um convite que recebi para dar uma palestra sobre cordel e propaganda na Escola Superior de Propaganda e Marketing, em São Paulo, uma das mais conceituadas do país. Quando eu preparo uma palestra sobre um tema que não estou habituada a falar, eu escrevo. Fiquei empolgada com o assunto, fiz a palestra e terminei produzindo um texto que dava para fazer um livro. Carlos Fialho, editor da Jovens Escribas, se interessou pelo livro. É um livro que interessa à área de Letras, Marketing, Jornalismo, porque ele é dividido em duas partes. Na primeira, explico o que é literatura de cordel, na segunda, pego uns folhetos de propaganda que usam a linguagem de cordel e faço uma análise dessa linguagem.

PET: Quais os seus projetos para o futuro?

CLOTILDE T.: Primeiro, quero viver mais uns 50 ou 60 anos (risos). Eu quero colocar na Internet todos os meus textos que estão guardados, aqueles que eu não tive oportunidade de publicar. Quero transformar esses textos em livros e obras e colocá-los à disposição na internet, se não houver forma de publicar em papel. Quero continuar escrevendo, quero progredir nos meus estudos de música e ainda fazer algo na área do teatro. Porque o teatro está no meu sangue.

2 comentários:

  1. Essa mulher é demais.
    parabens a todos voces.
    divulguem mais o blog, o conteudo esta muito bom.

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  2. Quero agradecer a gentileza dessa garotada esperta da UnP, que me recebeu tão bem, me deixando tão à vontade que eu falei pelos cotovelos! O blog está ótimo, e deixo aqui meu abraço a todos vocês. E me sigam no Twitter: @ClotildeTavares

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